quarta-feira, 27 de maio de 2015

O Teste Bechdel - Como medir representatividade na mídia



1º Quadro: “Dykes to Watch Out For” apresenta: “A Regra”; com agradecimentos a Liz Wallace

Mulher 1: “Quer ver um filme e comer uma pipoca? ”


Mulher 2: “Bem...não sei. Eu tenho uma regra, sabe... Eu só vou ao cinema se o filme satisfaz três requerimentos básicos. Um, ter ao menos duas mulheres... que, Dois, conversam entre si sobre, Três, alguma coisa que não seja um homem”.



Mulher 1: “Bem restrito, mas uma boa ideia”



Mulher 2:  “Nem me fale. O último filme que eu pude ver foi “Alien”... as duas mulheres no filme falam sobre o monstro.”


Mulher 1: “Quer ir pra minha casa e fazer pipoca?”


Mulher 2:  “Aí sim!”

***


Essa tirinha tem 30 anos. Feita pela desenhista Alison Bechdel, ela foi publicada em 1985 e desde então, a regra apresentada nela ficou conhecida como Bechdel Test (teste Bechdel) ou Bechdel Rule (regra Bechdel), por causa do nome da autora.


O teste ganhou vida na internet, segundo a própria Alison, quando estudantes de cinema, nos anos 2000, começaram a discuti-lo. Existe uma base de dados sobre filmes que passam no teste que pode ser editada pelos usuários e que está bastante atualizada: Os Vingadores a Era de Ultron é o último filme inserido (e é considerado como passando no teste, por sinal).


Em 2009, o teste foi assunto de um post no site Feminist Frequency que discute questões feministas dentro da cultura pop. O teste Bechdel ressurgiu à superfície da internet em 2013, quando uma cadeia de cinemas na Suécia decidiu “medir” seus filmes de acordo com os requerimentos do teste, como uma espécie de classificação indicativa mas sobre a presença feminina nos filmes. O objetivo era chamar atenção para a desigualdade na representação feminina em filmes e eles conseguiram. Desde então, o teste Bechdel e outros questionamentos sobre a presença feminina em filmes e outros meios, além das críticas a eles, figuram regularmente em sites de notícia na internet.

Tá, mas por que isso é importante mesmo?

Para destacar a relevância atual do teste de Bechdel para a indústria do cinema, vamos rever seus princípios:

Para um filme passar no teste, ele deve conter os três simples elementos a seguir:

1)      Duas ou mais personagens que são mulheres (com nomes mencionados durante o filme)
2)      Um diálogo entre as duas - ou mais - mulheres
3)      O diálogo deve ser sobre qualquer coisa que não seja um homem

Simples, facinho de passar, não?

Pense mais um pouco.

Você consegue nomear um único filme que tenha visto recentemente que respeite os três princípios, sem sombra de dúvida?

Pois é. Vejamos uma pequena lista dos filmes que foram grandes sucesso de bilheteria (ou seja, que um montão de gente viu) que não passam no teste (e alguns nem tão sucessos assim):

Batman – O Cavaleiro das Trevas;
Todos-os-outros-filmes-do-Christopher-Nolan;
Distrito 9;
Quem quer ser um Milionário;
Shrek;
Watchmen;
A Identidade Bourne;
Transformers;
Brüno;
O Grande Lebowski;
Piratas do Caribe 1, 2 e 3;
Homens de Preto;
Clube da Luta;
O Quinto Elemento;
Milk;
Alien 3;
O Senhor dos Anéis 1, 2 e 3;
X-Men;
Wolverine;
When Harry Met Sally;
De Volta pro Futuro 1, 2 e 3;
Tomb Raider;
Pulp Fiction;
Seven;
A Rede Social;
Todos os Harry Potter;
Avatar;
Guerra nas Estrelas episódios IV, V e VI;
Como perder um homem em 10 dias;
Tão Longe e Tão Perto;
Oblivion;
Os Vingadores 1 e outros!

Muitas vezes, mesmo quando um filme passa no teste, a interação entre as personagens é curtíssima ou pouco relevante para a história central do filme e é apenas um adendo, uma curiosidade ou uma piada.

Um exemplo que está sendo debatido neste momento é o filme ‘Vingadores 2 - A Era de Ultron’, que já arrecadou mais de US$ 1 bilhão em bilheterias no mundo todo.

Existem pelo menos quatro personagens femininos importantes no filme: Viúva Negra, Feiticeira Escarlate, a agente Maria Hill e Laura Barton, esposa do Gavião Arqueiro.

Primeira condição: check!

Existem – poucos - diálogos entre as personagens femininas.

Segunda condição... check.

O único diálogo que contempla a condição 3 é entre Viúva Negra e Laura Barton, quando a primeira pergunta sobre a gravidez da segunda e dá a entender que espera que a criança seja menina. Laura então responde a Viúva que é um menino. Viúva então sussurra pro barrigão: “traidor”.

Terceira condição... hum... check, né, fazer o quê?

Veja bem, o teste de Bechdel não existe para medir a qualidade do roteiro, direção, fotografia – a qualidade de um filme em geral. O teste, como já apontado por inúmeros artigos internet afora, não é nem uma base para dizer se um filme é feminista ou não.

Notem: duas das três condições para passar o teste indicam apenas a existência, em um filme, de dois membros, falantes, do sexo que é, aproximadamente, a outra metade da população mundial. Nada sofisticado, só existir no filme, mesmo.

Assim, o teste apenas nos faz constatar uma simples e triste realidade: mulheres não são representadas em filmes.

Isso era verdade em 1985 e continua sendo verdade em 2015.

Outros testes inspirados no Bechdel

Diálogos com mais de 60 segundos: Em 2011, a criadora do Feminist Frequencies, Anita Sarkeesian, adicionou mais um detalhe à terceira condição do teste Bechdel: que o diálogo entre as mulheres e que não seja sobre um homem dure mais de 60 segundos. Isso mesmo, segundos. A constatação? Apenas 3 dos filmes concorrendo ao Oscar de melhor filme à época passavam no teste.

Teste Bechdel racial: Alaya Dawn Johnson, em 2009, no site The Angry Black Woman, propôs pela primeira vez o teste Bechdel aplicado a “pessoas de cor” (termo largamente utilizado nos EUA para descrever negros e pessoas com outras cores de pele/raças que não a branca/caucasiana). As condições para uma obra de ficção passar nesse teste são as seguintes: 1) ter uma “pessoa de cor”; que 2) conversam entre si; sobre 3) alguma coisa além de uma pessoa branca.

Teste Vito Russo para personagens LGBT: as condições do teste são as seguintes: 1) conter um personagem que é claramente identificado como lésbica, gay, bissexual e/ou transgênero; 2) O personagem não ser definido predominantemente apenas por sua orientação sexual ou identidade de gênero (possuir o mesmo tipo de traços únicos usados para diferenciar entre personagens não identificados como LGBT); 3) O personagem LGBT deve estar inserido na história de forma que sua remoção dela teria efeito significativo.

Teste Mako Mori: em 2013, saiu Círculo de Fogo, que eu adoro, S2 pra Charlie Hunnam, S2 pra Idris Elba, S2 pra Rinko Kinkuchi, S2 pra Gypsy Danger. Porém, para tristeza de muitos, só que não, não passa no teste Bechdel. A personagem de Kinkuchi, Mako Mori, é para todos os efeitos a única personagem mulher com fala no filme e ela conversa basicamente com os personagens de Elba e Hunnam. Os fãs do filme, e alguns críticos também, consideram a presença de Mori relevante o suficiente para o filme para justificar a criação de uma outra forma de avaliação de filmes, que contém a presença de importantes personagens femininos, mas que não se encaixam na restrita objetividade do teste Bechdel. As condições do teste Mako Mori são: 1) existir pelo menos um personagem feminino; que 2) tem seu próprio arco narrativo; e este 3) não tem como objetivo dar suporte à história de um homem.

Todos os testes podem ser criticados por diversos ângulos diferentes. O teste Bechdel, por estar em maior evidência, sofre a maior quantidade de críticas, mas, por outro lado, recebe a maior quantidade de elogios também. A superioridade do teste Bechdel com relação aos outros, apontada por vários artigos, está justamente na sua objetividade. 

As condições do teste são simples e diretas e utilizam termos absolutos, que não variam - ou variam pouco - seu significado de pessoa para pessoa: 

(quantidade de mulher > ou = 2) + diálogo + (assunto homem) = aprovação no teste Bechdel.

p.s. Não critiquem minha equação, sou de humanas.


Já os outros testes utilizam termos mais difusos ou que possuem significado que pode variar de individuo para individuo: “ser claramente identificado” ou “dar suporte à história de um homem”. Fica difícil separar o arco narrativo de Mako Mori da história de Raleigh quando eles passam boa parte do filme um dentro da cabeça do outro conectados por uma ponte neural. 

Por outro lado, um dos dois diálogos entre duas mulheres em Os Vingadores A Era de Ultron ser sobre um bebê do sexo masculino é objetivo o suficiente para passar/reprovar no teste Bechdel? Nós, seres humanos, somos complexos e por mais que um teste seja objetivo nós vamos achar um jeito de complexificá-lo?! (Neologismo a gente vê por aqui).

A existência, multiplicidade e interesse por esses testes só existem porque há um terreno fértil de falta de representatividade de “minorias”. E é justamente essa a crítica mais contundente aos testes e à tendência - sempre obsessiva - da websfera de discuti-los: ao invés de discutir o problema estamos discutindo os medidores do problema.

Já sabemos que Hollywood e outras indústrias de cinema são sexistas, ou, ao menos, quase completamente ocupadas por homens. Tem dúvidas? Quer evidências? Mais de 90% dos votantes do Oscar são homens, brancos. Sabe quando foi a primeira vez que uma mulher recebeu um Oscar por melhor direção? No octagésimo ano da premiação, ontem, em 2008. Quer mais? Basta ir ao cinema. Todos os gêneros de filmes são dominados por histórias, ruins ou incríveis, centradas essencialmente na narrativa masculina.

“Ah, mas que mimimi, quer dizer que não pode ver história de homem sendo contada?”

Pode, tanto que é o que vemos, em todas as mídias, todos os dias. Mas, assim como os homens, mulheres são filhas, têm filhos, têm trabalhos, têm carreiras, têm ideias, têm sentimentos, passam da infância à adolescência, da idade adulta à velhice, viveram e lutaram em guerras, dirigem carros, cometem crimes, se redimem de crimes, são artistas, são gente comum, e, apesar de produzirem mil histórias que poderiam ser contadas em qualquer meio, inclusive o cinema, não é isso que vemos na prática.

A representatividade é mais importante do que admitimos, à primeira vista. Ela está ligada à formação de nossas identidades, de quem somos e seremos. Através de livros, cinema, músicas, TV e internet recebemos constantemente imagens, ou modelos do que é normal, do que é certo, do que é errado, bonito e feio.

É necessária uma tremenda presença de espírito para não ser afetado por essas ideias e construir parte de sua identidade a partir delas. 

Assim, se os meios lhe apresentam incessantemente um ideal de mulher que centra a sua vida nos seus relacionamentos amorosos e, como o teste Bechdel nos mostra, quase nunca interage com outras mulheres, ao passo em que homens são representados nos mais diferentes tipos e ideias - intelectuais, fortes, artísticos, rebeldes, revolucionários – fica difícil esperar que as mulheres não se limitem aos ideais femininos ou tenham que superar obstáculos tremendos para se desvencilhar deles e construir seus próprios modelos. E, apesar da dificuldade, fazemos isso todos os dias. Olha que roteiro lindo de superação! Cadê o filme sobre isso?!

Não estou pedindo que você faça como as mulheres do quadrinho e adote o teste Bechdel ou qualquer um dos outros como regra para o seu consumo de cultura. Espero que você abra os olhos para a realidade que os testes apresentam: falta de diversidade.

Ler livros escritos por mulheres, ver filmes feitos e atuados por mulheres, escutar músicas feitas por mulheres...consumir todas essas categorias produzidas por estrangeiros, negros, gays, trans definitivamente ampliará seus horizontes e te ajudará a perceber o quão mais ricas e interessantes nossas histórias podem ser.

Post feito por
Bárbara Brant





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